A ESTIAGEM DURANTE O VERÃO E OUT. DE 2001 NO BRASIL E AS CARACT. ATM. ASSOCIADAS
Iracema F. A Cavalcanti1, Vernon E. Kousky2

Centro dePrevisão de Tempo e Estudos Climáticos 1 Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais
Center of Climate Prediction 2

National Centers Environmental Prediction 1.

Introdução

A deficiência de chuvas no verão e outono de 2001 causou uma redução na vazão das bacias da região nordeste, centro-oeste e sudeste do Brasil, que está se refletindo na geração de energia elétrica para essas regiões. A situação das hidroelétricas é crítica e a população está em regime de economia de energia seguindo um programa elaborado pelo governo para que seja evitada uma situação de ausência total de energia.

Climatologicamente o verão é a época da estação chuvosa no Sudeste, Centro-Oeste e sul do Nordeste (Bahia). Entretanto, neste ano de 2001, as chuvas ficaram bem abaixo da média climatológica nessas regiões. Ao mesmo tempo, a região sul do Brasil registrou precipitação acima da média. O norte do Nordeste tem sua estação chuvosa no outono, a qual também foi deficiente neste ano, com exceção do extremo norte do Nordeste.

2. Desvios de precipitação e anomalias na atmosfera
Durante o verão 2000/2001, ocorreram anomalias negativas de precipitação em janeiro e fevereiro sobre o Sudeste e Centro-Oeste do Brasil, sendo que em Dezembro foram registradas anomalias negativas na maior parte da Amazonia (Fig 1). Pode-se notar, em janeiro e fevereiro, a presença de uma circulação anômala no campo de vento em altos níveis da atmosfera, sobre o Brasil, que esteve associada à presença e persistência de sistemas meteorológicos chamados de Vórtices Ciclônicos em Altos níveis (VCAN) sobre o Nordeste, parte do Sudeste e Centro-Oeste. sobre o continente.

Os déficits de precipitação em janeiro e fevereiro foram associados à ocorrência e atuação desses VCAN, os quais impediram a formação de nebulosidade que provoca chuvas sobre a América do Sul tropical no verão. Nessa época do ano as regiões Sudeste e Centro-Oeste são afetadas pela Zona de Convergência do Atlântico Sul (ZCAS), que é observada pela banda de precipitação Noroeste/Sudeste desde a Amazônia até o Sudeste do Brasil. Nessa época também há muita formação de nuvens profundas sobre o setor tropical do continente, que induzem a formação de uma circulação em altos níveis da atmosfera chamada de Alta da Bolívia. Além da ação direta dos VCAN na inibição de nebulosidade, os sistemas frontais que normalmente se deslocam para o sudeste, ficaram atuando apenas no sul do Brasil, aumentando a precipitação nessa região, como pode-se ver também na Figura 1.

A atuação dos VCAN, os quais normalmente se posicionam no litoral do Nordeste ou sobre essa região, ocorreu de maneira anômala em janeiro de 2001 com a maioria dos mesmos se deslocando para o interior do Brasil, afetando parte do Sudeste e Centro-Oeste. No campo diário do escoamento do vento em altos níveis pode-se ver a atuação dos VCAN (Fig.2).

Em março de 2001 ainda pode-se notar o escoamento anômalo dos ventos sobre o Sudeste do Brasil, e anomalias negativas de precipitação no leste da Amazônia. (Fig.3). Em abril também havia anomalias negativas de precipitação em grande parte da região Sudeste, Centro-Oeste e Amazônia. A partir de maio, quando climatologicamente não há mais ocorrência de VCAN na região NE, a situação das chuvas começou a normalizar.
Fig.1- Anomalias de precipitação (mm/mês) em Dezembro, Janeiro e Fevereiro de 2001.(Dados INMET e GTS) e anomalias de vento em 200 hPa (análise NCEP)
Fig.2- Escoamento diário e magnitude do vento em 200 hPa para o mês de janeiro 2001.


Fig.3- Anomalias de precipitação (mm/mês) em Março, Abril e Maio de 2001. (Dados INMET e GTS) e anomalias de vento em 200 hPa (análise NCEP)

As anomalias diárias na região afetada (50 S-250S; 400W-600W) desde setembro 2000 até abril 2001 (Fig. 4) mostram que já na época de primavera ocorreram alguns períodos com chuva abaixo da média climatológica. Os meses de janeiro e fevereiro, quando climatologicamente há valores altos de precipitação, foram os que apresentaram anomalias negativas maiores e persistentes. Em Março e Abril, exceto por dois períodos chuvosos, a precipitação também ficou abaixo da média climatológica com uma grande persistência.

A média das anomalias de precipitação  de setembro de 2000 a maio de 2001 pode ser vista na Fig. 5. É bem evidente a associação das anomalias negativas, que se estendem desde o noroeste da América do Sul para sudeste, com a não atuação da ZCAS. Nota-se também o sinal contrário, de anomalias positivas no extremo norte do Nordeste e no sul do Brasil, Uruguai e Argentina.

Fig.4- Anomalias diárias de precipitação na área 5S-25S; 40W-60W no período de setembro 2000 a abril 2001.



Fig.5 - Anomalia média de precipitação no período de setembro 2000 a maio 2001.

3. Situação global

Na Fig.6 são mostradas as anomalias na circulação atmosférica e na atividade convectiva, representadas pelas anomalias de geopotencial e anomalias de OLR. As intensas anomalias negativas de Radiação de Onda Longa foram associadas a forte atividade convectiva na região da Indonésia em janeiro e fevereiro. Esta situação foi relacionada a uma reintensificação do episódio La Nina a qual estava se prolongando desde o fim de 1998 até o início de 2001. Durante esse episódio prolongado, houve períodos, nos meses de inverno do Hemisfério Sul, em que as condições de La Nina pareciam finalizar, porém se reintensificaram no fim de 1999/começo de 2000 e fim de 2000/começo de 2001. (Fig. 7).

A ocorrência de episódios La Nina tem sido associada a chuvas acima da média no Nordeste do Brasil e abaixo da média no sul/sudeste da América do Sul, situação oposta à ocorrida nos episódios de El Nino (Cavalcanti et al. 2001). Entretanto neste episódio não foram observadas essas características de dipolo norte/sul no campo de anomalias de precipitação sobre a América do Sul, mas sim chuvas acima da média no extremo norte e extremo sul do Brasil ao norte e ao sul da região de estiagem (Fig. 5).

Outro aspecto global da situação anômala sobre o Brasil pode ser associado às interações que existem entre as regiões de forte convecção tropical e outras regiões tropicais e extratropicais  (Mo and Higgins, 1998, Cavalcanti, 2000). A alta freqüência de VCAN observada em 2001 sobre o continente poderia ser relacionada com essas interações que aparecem compreendidas nas configurações de anomalias mensais de geopotencial em altos níveis no bimestre janeiro/fevereiro (Fig. 6). Nessa figura observa-se que há alternâncias de anomalias desde o Oceano Índico até a anomalia ciclônica sobre o sul do Nordeste, e uma anomalia anticiclônica mais intensa sobre a Austrália associada à atividade convectiva indicada no campo de anomalias de OLR. Configurações mostrando interações entre latitudes extratropicais no Oceano Pacífico e a América do Sul foram relacionados com os VCAN em Chaves e Cavalcanti (2001). Essa relação também foi discutida em Kousky e Gan (1981).


Fig.6- Anomalias de geopotencial em 200 hPa e anomalias de Radiação de Onda Longa em janeiro e fevereiro de 2001



Fig.7- Índice de Oscilação Sul no período de janeiro 1990 a maio 2001. (NCEP)

No fim de 2000 e início de 2001 também foi observada a atuação da Oscilação de Madden and Julian (OMJ), sobre o Brasil, associada à variabilidade da convecção na Região da Indonésia. A influência da OMJ na América do Sul foi discutida em vários trabalhos anteriores (por exemplo, Weikmann, 1983; Weikman et al , 1985; Casarin e Kousky, 1986; Kousky e Kayano, 1994 e Castro e Cavalcanti, 2001).

4. Conclusão A ocorrência da estiagem na região Sudeste no verão e outono de 2001 foi associada às influências dos VCAN, que atuaram com maior freqüência e de maneira anômala sobre o continente, às anomalias atmosféricas relacionadas com a intensa atividade convectiva na região da Indonésia e às Oscilações de Madden and Julian. A partir de maio a situação começou a se normalizar e as condições nas bacias em junho foram estáveis. Na época de inverno as chuvas são geralmente de pequena intensidade na região Sudeste do Brasil, associadas a passagens de sistemas frontais, e o nível dos reservatórios deve continuar baixo até o início da próxima estação chuvosa em outubro/novembro. A quantidade das chuvas na próxima estação chuvosa da região Sudeste e sul do Nordeste será de fundamental importância para que as condições das hidrelétricas melhorem nas regiões afetadas .Uma versão completa destas análises será publicada na CLIMANÁLISE, como artigo de contribuição científica.

Referências Casarin, D.P.; V.E. Kousky, 1986. Anomalias de precipitação no Sul do Brasil e variações na circulação atmosférica. Rev. Bras. Meteor., 2, 83-90.Castro, C.C.; I.F.A.Cavalcanti, 2001. A Zona de Convergência do Atlântico Sul e padrões de teleconexão.Congresso Argentino de Meteorologia, Buenos Aires, Maio 2001.

Cavalcanti, I.F.A. , 2000.Teleconnection patterns orographically induced in model results and from observational data in the austral winter of the Southern Hemisphere. Int. J. Climat., 20:1191-1206.

Cavalcanti, IFA Cavalcanti; A Grimm; V.Barros. Variabilidade Interanual da precipitação sobre a região sul/sudeste da América do Sul simulada pelo modelo de circulação global da atmosfera CPTEC/COLA. Congresso Argentino de Meteorologia, Maio 2001.

Climanálise, 1996. Edição Comemorativa de 10 anos, CPTEC/INPE.

Kousky, V.E.; M.A. Gan, 1981. Upper tropospheric cyclonic vortices in the tropical South Atlantic. Tellus, 33, 538-551.

Kousky, V.E.; M.T. Kayano, 1994. Principal modes of outgoing longwave radiation and 250-mb circulation for the South American sector. J. Climate, 7, 1131-1143.

Mo, K.C. ; W.Higgins, 1998. The Pacific-South American modes and tropical convection during the Southern Hemisphere winter. M.W.R.,126, 1581-1596.

Weickmann, K.M., 1983. Intraseasonal circulation and outgoing longwave radiation modes during northern winter. Mon. Wea. Rev., 111, 1838-1858.

Weickmann, K.M.; G.R. Lussky; J.E. Kutzbach, 1985. A global-scale analysis of intraseasonal fluctuations of outgoing longwave radiation and 250-mb streamfunction during northern winter. Mon. Wea. Rev., 113, 941-961.
INPE - Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais
CPTEC - Centro de Previsão de Tempo e Estudos Climáticos
© Copyright 2016 CPTEC/INPE
Comentários e/ou sugestões: Fale Conosco