InÍcio da est. chuvosa nas Reg. Se/CO/s do NE do Brasil, afetadas pela crise de energia

Jose A. Marengo, Lincoln Muniz Alves, Christopher A. C. Castro, David Mendes 

Centro de Previsão de Tempo e Estudos Climáticos CPTEC/INPE

Introdução:

O seguinte relatório analisa os resultados de pesquisas desenvolvidas e em andamento, que procuram estabelecer uma climatologia de início da estação chuvosa com maior detalhe que em escalas mensais. A ênfase é dada nas bacias do Alto São Francisco, Paranaíba e Rio Grande, localizadas nas regiões Sudeste, Centro-Oeste e sul do Nordeste do Brasil. A importância do estudo se dá ao grau da informação na qual diversas atividades econômicas e sociais, a exemplo do planejamento de atividades agrícolas e gerenciamento dos recursos hídricos, demandam quanto ao conhecimento das datas de início da estação chuvosa nas diversas regiões do país.

As datas de início e fim da estação chuvosa podem ser definidas de diversas formas. Uma possível caracterização do início da estação chuvosa (Sugahara, 1991) baseia-se na chuva acumulada a cada cinco dias (pêntadas) através dos seguintes critérios: (a) primeira ocorrência de uma pêntada com 10 mm; (b) não seguido por três pêntadas com acumulação inferior a 15 mm/ pêntadas. O final da estação chuvosa (Sugahara, 1991) pode ser definido como a pêntada, a partir da qual ocorrem três pêntadas consecutivas com precipitação inferior a 15 mm/pêntadas, não seguida de uma pêntada com mais de 10 mm.

Estudos desenvolvidos por Kousky (1988), Horel et. al. (1989) e Marengo et. al. (2001) determinaram o início da estação chuvosa em diferentes regiões do país, baseados em observações de chuva ou estimativa da convecção (principal mecanismo da atmosfera na produção de chuva) fornecida por satélites meteorológicos. Estes valores estimados, chamados de Radiação de Onda Longa emergente (ROL), fornecem informações de convecção profunda (chuva) que pode ser esperada, e com um limiar que indique as condições que favoreçam o desenvolvimento de precipitação, o que discrimina precipitação convectiva. Com esse limiar, é possível estabelecer as datas esperadas de início da estação chuvosa. Este relatório é baseado na metodologia desenvolvida por Kousky (1988).

Kousky (1988) determinou o início e fim da estação chuvosa no Brasil via sensoriamento remoto (satélite) usando um critério de valores mínimos de ROL, acumulados a cada cinco dias, para o período 1979-1987. Vale lembrar que a ROL tem sido extensivamente usada como indicador de chuvas e nebulosidade, especialmente em áreas tropicais, onde flutuações de ROL são fortemente controladas pela convecção profunda, responsável por grande parte da precipitação. Baixos valores de ROL, sobretudo inferiores a 240 W/m2, são indicativos de nuvens profundas que apresentam maior probabilidade de ocorrência de precipitação. Entretanto, nuvens do tipo cirrus (nuvens altas), não precipitantes, por serem muito altas e frias, também apresentam baixo valor de ROL e, portanto, podem levar a uma superestimativa da precipitação. Apesar de existirem limitações inerentes à análise da precipitação via ROL, trata-se de uma metodologia de sensoriamento remoto que supre deficiências inerentes aos sistemas de observação na superfície (principalmente a densidade espacial e temporal das estações).

Uma atualização vem sendo feita para determinar o início médio da estação chuvosa em diferentes regiões do país, assim como da variabilidade interanual desde 1979 a 1999 e durante episodios de El Niño e La Niña, com uma maior resolução espacial (2,5x2,5 graus de latitude-longitude). O presente relatório discute alguns dos resultados parciais deste estudo, focalizando na Região Sudeste e Centro-oeste, áreas afetadas pela falta de chuvas e pela crise de energia atual.

2. Metodologia

A pêntada que marca o início da estação chuvosa foi definida por Kousky (1988) pelos seguintes critérios: (a) ROL média inferior a 240 Wm-2; (b) pelo menos 10 das 12 pêntadas anteriores com ROL média superior a 240 Wm-2 e (c) ao menos 10 das 12 pêntadas posteriores apresentando ROL média inferior a 240 Wm-2. A pêntada que caracteriza o final da estação chuvosa foi definido por Kousky (1988) através do seguinte critério: (a) ROL média superior a 240 Wm-2; (b) ao menos 10 das 12 pêntadas antecedentes com ROL média inferior a 240 Wm-2 e (c) ao menos 10 das 12 pêntadas posteriores com ROL média superior a 240 Wm-2. A Tabela 1 mostra o número da pêntada e o período que a corresponde. A Tabela 2 mostra as datas aproximadas do início e final da estação chuvosa em diversas regiões do país.

As bacias do Alto São Francisco, Paranaíba e Rio Grande (Figura 1a) experimentam ciclos anuais similares, com o final da estação chuvosa em agosto-setembro e a intensificação das chuvas em outubro, atingindo os máximos valores em dezembro-janeiro. As Figuras 1b-d mostram que em 2000-2001, anos com chuvas relativamente menores, a estação chuvosa começou relativamente tarde, e com valores bastante baixos no período dezembro-fevereiro, que climatologicamente são os meses mais úmidos.
(a)

(b) Rio São Francisco

(c) Rio Paranaíba

(d) Rio Grande
Figura 1 – (a) Localização das bacias nas Regiões Sudeste, Centro-Oeste e Nordeste afetadas pela estiagem prolongada. (b-d) Ciclo anual das chuvas nas bacias do Rio São Francisco (Alto São Francisco), Paranaíba e Grande (Fonte: http://tucupi.cptec.inpe.br/~energia).

3.Resultados

Em geral, as Regiões Sudeste e Centro-Oeste, devido ao posicionamento latitudinal, caracterizam-se por serem Regiões de transição entre os climas quentes de latitudes baixas e os climas mesotérmicos, do tipo temperado das latitudes médias (Silva Dias & Marengo, 1999). A precipitação distribui-se uniformemente nessas Regiões, com a precipitação média anual acumulada variando em torno de 1500 e 2000 mm. Dois núcleos máximos são registrados: na região do Brasil Central e no litoral da Região Sudeste, com uma relativa escassez de chuvas ao longo do ano, no norte de Minas Gerais. O trimestre (junho-julho-agosto) mais seco ocorre de forma bastante uniforme em toda a região. A precipitação nesse trimestre é da ordem de apenas 30 mm em grande parte do Brasil Central. O trimestre mais chuvoso também ocorre de forma bastante uniforme no período de dezembro-janeiro-fevereiro, exceto na parte leste, que apresenta o máximo de precipitação aproximadamente 1 mês antes. O litoral da Região Sudeste, principalmente o litoral norte de São Paulo, com valores acumulados anuais da ordem de 3500 a 4000 mm, com máximo de verão, mas sem uma estação seca bem definida.

Baseado nesta informação e na análise da Figura 1, as pêntadas de ROL permitem um melhor detalhe na identificação do início da estação chuvosa na região das bacias em escala mensal. A análise feita por Kousky (1988) foi incorporada nesse relatório.

A Figura 2 apresenta as pêntadas médias do início da estação chuvosa no país, com um maior detalhe (em cores) nas Regiões Sudeste, Sul e Centro-Oeste do Brasil, afetadas pela crise de energia devido à estiagem prolongada. Em agosto e normalmente até o início de setembro, as condições atmosféricas ainda são de inverno sobre estas Regiões, ou seja, não são favoráveis à formação de nuvens profundas que possam causar precipitação em uma extensa área. Em média, as primeiras chuvas significativas, que prenunciam o início do período mais chuvoso na bacia do Rio Paranaíba, ocorrem entre 23 de setembro e de 12 outubro, e na bacia do Rio Grande, entre 8 e 27 de setembro. No Alto São Francisco as chuvas começam em média entre 23 e 27 de setembro.

Figura 2 – Período (pêntada, Tabela 1) no qual, em média, ocorrem as primeiras chuvas significativas que prenunciam o início do período mais chuvoso. O código de cores representa a pêntada e o período de tempo de início das chuvas, baseados em Kousky, 1988.

Sugahara (1991), baseado em dados de ROL e dados pluviométricos do Departamento de Águas e Energia do Estado de São Paulo (DAEE), mostra que o início da estação chuvosa no Estado de São Paulo coincide com o início de chuvas na região oceânica vizinha e no Brasil Central (final de setembro e início de outubro), e que o final ocorre em meados de abril. O Alto Amazonas apresenta o início da estação chuvosa cerca de seis qüinqüênios antes de São Paulo, e o início ocorre na Bolívia, cerca de dois qüinqüênios antes. O sul do Nordeste apresenta o início da estação chuvosa com cerca de cinco qüinqüênios de atraso em relação ao Estado de São Paulo. Os resultados obtidos por Sugahara concordam, a grosso modo, com os apresentados por Kousky (1988).

No presente relatório, usando dados de chuva média de mais de 300 postos pluviométricos na bacia do Paranaíba, Grande e São Francisco, utilizados até 2001, pode-se observar que em média, o início da estação chuvosa é observada também entre o final de setembro e outubro. Sansigolo (comunicação pessoal) calculou a contribuição mensal de chuva para a Região Sudeste do Brasil, baseado em dados da ANEEL, considerando o período 1959-1997. A Tabela 3 mostra as contribuições percentuais de chuva para cada mês, e pode-se observar que entre outubro e abril ocorre 85% do total anual das chuvas, e que as chuvas significativas ocorrem entre setembro e outubro.

Em alguns anos irregulares, como aquele de 1988-89, que foi um ano com seca cobrindo desde o Uruguai até o Estado de São Paulo, a estação chuvosa foi fraca e começou tarde, aproximadamente em meados de outubro. Não tem sido encontrados impactos significativos dos fenômenos El Niño ou La Niña na data de início das chuvas, nem na quantidade acumulada durante a estação chuvosa. Similar comportamento observou-se no ano hidrológico 2000-2001, que foi caracterizado como um ano entre normal e com uma La Niña fraca.

4.    Discussões

As Regiões Sudeste e Centro-Oeste apresentam o que poderia ser chamada de “baixa previsibilidade climática”, onde devido a um caráter de transição do clima entre estas duas regiões, localizadas entre regiões de relativamente “alta previsibilidade” climática, como são o Nordeste e o Sul do Brasil, a previsão sazonal de clima é difícil e o indice de acerto dos modelos de clima ainda são baixos nessas Regiões. O CPTEC e os centros meteorológicos mundiais do USA (NCAR, NCEP, COLA), da Europa (ECMWF), Instituto Max Planck), Australia (BMRC) dentre outros, reconhecem a grande dificuldade em prever o clima para a próxima estação nas regiões Sudeste e Centro-Oeste com um alto grau de acerto e as previsões apresentadas tem um baixo grau de confiabilidade, especialmente para chuvas durante estações intermediarias como primavera ou outono.

A previsão de clima, a nível intra-sazonal, é muito difícil de se fazer, e, portanto, uma previsão sobre a data de início da estação chuvosa nas regiões de baixa previsibilidade, mesmo que em regiões de alta previsibilidade, é um alvo difícil de se atingir.

de modo geral, as flutuações das chuvas na escala de tempo de meses são praticamente imprevisíveis nas Regiões Sudeste, Centro-Oeste e sul do Nordeste. Esta imprevisibilidade climática é uma característica intrínseca da atmosfera nessas Regiões. Portanto, não há base científica para elaborar previsões com um mínimo de confiabilidade, tanto com relação ao total das chuvas dessas regiões, como sobre a data precisa de seu início, com meses de antecedência. Com base somente na análise estatística das séries históricas de dados de chuvas para as regiões afetadas, de baixa previsibilidade, seria temerário “prever” o início das chuvas para o final de agosto.

Estudos em andamento, usando dados de ROL e chuva com maior resolução espacial e temporal, vão permitir uma melhor análise da variabilidade intra-sazonal das chuvas e o início e fim da estação chuvosa, tanto na área de emergência como em todo o país. Assim, poderemos estudar a dependência do início e fim da estação chuvosa ao aquecimento ou resfriamento superficial no Pacifico equatorial ou no Atlântico tropical e subtropical, ou mesmo as complexas interações entre o tempo e clima das regiões tropicais e subtropicais no Brasil.

Referências:

Horel, J., Hahmann, A., Geisler, J., 1989: An investigation of the annual cycle of the convective activity over the tropical Americas. J. Climate, 2, 1388-1403;

Kousky, V. E., 1988: Pentad outgoing longwave radiation climatology for the South American sector. Rev. Bras. Meteo., 3, 217-231;

Marengo, J., Liebmann, B. Kousky, V., Filizola, N., Wainer I, 2001: On the onset and end of the rainy season in the Brazilian Amazon Basin. , Journal of Climate, 14, 833-852;

Silva Dias, P., Marengo, J., 1999: Águas atmosféricas. Águas Doces no Brasil-capital ecológico usos múltiplos, exploração racional e conservação. Aldo da Cunha Rebouças, Benedito Braga Jr., José Galizia Tundizi, Eds. IEA/USP, pp. 65-116;

Sugahara, S., 1991: Flutuações interanuais, sazonais e intrasazonais da precipitação no estado de São Paulo. Tese de Doutorado. Departamento de Meteorologia. IGA/USP. 140 pp.

Tabela 1 – Números de pêntadas e suas respectivas datas
Pêntada Datas Pêntada Datas
1 1-5de Janeiro 38 5-9de Julho
2 6-10 de Janeiro 39 10-14 de Julho
3 11-15 de Janeiro 40 15-19 de Julho
4 16-19 de Janeiro 41 20-24 de Julho
5 20-24 de Janeiro 42 25-29 de Julho
6 25-29 de Janeiro 43 30 de Jul. a 3 Agosto
7 30 de Jan. a 4 Fev 44 4-8 de Agosto
8 5-9 de Fevereiro 45 9-13 de Agosto
9 10-14 de Fevereiro 46 14-18 de Agosto
10 15-19 de Fevereiro 47 19-23 de Agosto
11 20-24 de Fevereiro 48 24-28 de Agosto
12 25 de Fev. a 1 de Mar 49 29 de Ago. a 2 Set.
13 2-6 de Março 50 3-7 de Setembro
14 7-11 de Março 51 8-12 de Setembro
15 12-16 de Março 52 13-17de Setembro
16 17-21 de Março 53 18-22 de Setembro
17 22-26 de Março 54 23-27 de Setembro
18 27-31 de Março 55 28-de Set. a 2 de Out.
19 1-5 de Abril 56 3-7 de Outubro
20 5-10 de Abril 57 8-12 de Outubro
21 11-15 de Abril 58 13-17 de Outubro
22 16-20 de Abril 59 18-22 de Outubro
23 21-25 de Abril 60 23-27 de Outubro
24 26-30 de Abril 61 28 Out. a 1 de Nov.
25 1-5 de Maio 62 2-6 de Novembro
26 6-10 de Maio 63 7-11 de Novembro
27 11-15 de Maio 64 12-16 de Novembro
28 16-20 de Maio 65 17-21 de Novembro
29 21-25 de Maio 66 22-26 de Novembro
30 26-30 de Maio 67 27 Nov. a 1 de Dez.
31 31 de Maio 4 Junho 68 2-6 de Dezembro
32 5-9 de Junho 69 7-11 de Dezembro
33 10-14 de Junho 70 12-16 de Dezembro
34 15-19 de Junho 71 17-21 de Dezembro
35 20-24 de Junho 72 22-26 de Dezembro
36 25-29 de Junho 73 27-31 de Dezembro
37 30 de Jun. a 4 de Jul.    
Tabela 2 – Início e final da estação chuvosa no Brasil, baseado nos resultados de Kousky (1988) e Silva Dias e Marengo (1999)
Região Início Final
Norte Agosto-Dezembro Junho
Nordeste Fevereiro Maio
Centro-oeste Setembro Maio
Sudeste Setembro-Outubro Abril
Sul Julho Novembro

Tabela 3 – Contribuição mensal de chuva para a Região Sudeste do Brasil baseada nos dados de chuva da ANEEL, no período de 1959-97 (Fonte. C. Sansigolo-CPTEC/INPE)
Mês Contribuição % mensal Contribuição% acumulada
Janeiro 17.2 17.2
Fevereiro 12.2 29.4
Março 11.3 40.7
Abril 5.7 46.4
Maio 3.5 49.9
Junho 2.1 52.0
Julho 1.9 53.9
Agosto 1.8 55.7
Setembro 4.2 59.9
Outubro 8.9 68.8
Novembro 13.6 82.
Dezembro 17.6 100
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