Quando as chuvas chegam?
Jornal do Brasil - Segunda-feira, 25 de junho de 2001

Carlos Nobre
Nas últimas semanas, no bojo da crise de energia, o país tem sido sacudido por desencontradas previsões meteorológicas sobre quando a próxima estação chuvosa irá chegar ao Sudeste, Centro-Oeste e sul do Nordeste, regiões onde se encontram as bacias de drenagem que abastecem reservatórios do sistema hidroelétrico. Num dia, o meteorologista da maior rede de TV do país diz que as chuvas atrasarão um mês (de final de setembro para final de outubro), devido ao surgimento de novo episódio do fenômeno El Niño de aquecimento das águas do Oceano Pacífico Equatorial. Alguns dias mais tarde, outro meteorologista, este de órgão federal, informa que as chuvas irão se antecipar para o final de agosto e início de setembro. Afinal, as chuvas chegarão com atraso, trazendo mais preocupação com relação à duração da crise de energia, ou irão se adiantar, proporcionando um bem-vindo alívio? Que previsão tem maior possibilidade de acerto? Na verdade, nenhuma delas, pois é virtualmente impossível prever o início do período chuvoso nessas regiões com meses de antecedência.

A impossibilidade de fazer esse tipo de previsão com meses de antecedência não resulta de conhecimento científico insuficiente ou da falta de supercomputadores mais poderosos para fazer cálculos ou mesmo da falta de mais observações meteorológicas. A limitação da antecedência com que se pode fazer previsões meteorológicas confiáveis decorre realmente de uma característica fundamental da atmosfera. Pioneiro da aplicação da teoria matemática do caos em meteorologia, Edward Lorenz, do MIT (EUA), demonstrou, em 1963, que a previsibilidade atmosférica não ultrapassa duas semanas, na melhor das hipóteses. Na prática dos serviços meteorológicos mais avançados, não se conseguem previsões de tempo com taxas de acerto úteis para mais de sete ou oito dias.

As chuvas das regiões afetadas são controladas por frentes frias provenientes do Sul, que trazem com elas poucas chuvas e baixas temperaturas durante o inverno, mas chuvas abundantes e temperaturas amenas a partir da primavera até meados do outono. Prever com precisão o início das chuvas dessas regiões com meses de antecedência exigiria prever, também com meses de antecedência, o número e a intensidade das frentes frias e a data de chegada. Isso é praticamente impossível. Portanto, as ''previsões'' de antecipação ou atraso das chuvas da primavera carecem de fundamentação científica.

No Brasil, o Centro de Previsão de Tempo e Estudos Climáticos, do Inpe, em Cachoeira Paulista (SP), introduziu as modernas técnicas de previsão de tempo no país a partir de 1995. Previsões de tempo com vários dias de antecedência, antes motivos de chacota, adquirem cada vez mais confiabilidade por parte da sociedade e encontram inúmeras aplicações econômicas por terem altos índices de acerto. Ser capaz de elaborar previsões meteorológicas confiáveis demanda avançado preparo científico e tecnológico e as previsões do CPTEC contam com o respaldo de uma equipe com 40 doutores e 35 mestres. Em outras palavras, meteorologia moderna é coisa séria, tem alto conteúdo científico e tecnológico e precisa ser feita por profissionais de altíssimo nível, bem treinados e preparados, a exemplo do que é feito nos centros meteorológicos mais avançados do mundo. O CPTEC, que opera modelos matemáticos de previsão de tempo e clima em seus supercomputadores, está se preparando para receber um poderoso supercomputador, em 2002, que colocará o país no patamar dos países desenvolvidos com relação à meteorologia.

Entretanto, exatamente por dominar as técnicas modernas da previsão do comportamento da atmosfera e dos oceanos, por acompanhar e participar do avanço mundial das fronteiras do conhecimento meteorológico, o CPTEC reafirma que previsões com meses de antecedência sobre o período no qual as chuvas de primavera irão começar não têm qualquer confiabilidade e não devem ser utilizadas.

Carlos Nobre é doutor em meteorologia e coordenador-geral do Centro de Previsão de Tempo e Estudos Climáticos (CPTEC)
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